Pedalando por essas ruas seculares, na maioria em paralelepípedos e trilhos de bondes expostos, podemos admirar a beleza de cada obra, dos edifícios, os sobrados, um conjunto que forma uma grande memória do passada, ainda vivo, porém ainda parece ser esquecido por muitos. O tempo parece passar mais devagar, nos faz lembrar dos momentos aqui vividos, das lutas, dos trabalhos... E hoje, como ainda poder manter essa memória viva em cada um que ali passe? Como adequar as construções, seja ruas ou edifícios, as demandas de nossa atualidade? De que forma encaixar por entre as ruas estreitas a frenética força do Porto Digital, sem agredir nosso patrimônio? O aparente contraste confere ao bairro do Recife, por muitos conhecido como o Recife Antigo, mais um ingrediente à sua singular existência, que já testemunhou o início do comércio português, a ocupação e a rendição dos invasores holandeses e o desembarque no seu porto de personagens ilustres como Charles Darwim, Santos Dumont, Dom Pedro II e sua esposa, a Imperatriz Teresa Cristina, entre tantos outros.
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Rua do Bom Jesus 1880 Foto: Anderson Melo dez.2014 Rua do Bom Jesus, que já foi conhecida como rua dos Judeus. Nessa foto antiga, podemos observar mais próximos, escravos negros com barris, e outros mais adiante carregando sacos, que podia ser açúcar ou algodão, seguindo na direção de Olinda, também existe uma fonte (chafariz) no meio da rua, atualmente não existe mais. Nas laterais da imagem temos os sobrados variando com até 3 pavimentos, estes, são registros da arquitetura erguida durante oPeríodo Holandês em Pernambuco, considerada a primeira espécie de estruturavertical do país . Onde no térreo funcionava o comércio e armazém de mercadorias, além de abrigar os escravos e animais, e nos pavimentos superiores, tínhamos a moradia dos senhores e suas famílias. Ao fundo de ambas imagens podemos ver a Torre Malakoff com presença marcante e imponente na paisagem, porém na foto de 2014, percebemos que temos a vegetação que tanto bloqueia a vista da torre como dos sobrados. |
No séc.
XIX foi construída a Torre Malakoff, símbolo marcante do Recife Antigo. Um
decreto de 1834 deu início as obras do Arsenal da Marinha. Mas o primeiro
documento que o edifício foi mencionado datava 1855. Possui um gradil de ferro
e uma cúpula de metal que encontram-se muito bem conservados. A princípio seu
propósito era ajudar na defesa militar, instalando um observatório astronômico.
Segundo relatos seu nome advém na época da Guerra da Criméia(1853-1855), na
atual Ucrânia, a população de Recife encantada com a força e resistência dos
militantes da Torre Malakoff original, adotaram assim o mesmo nome para a torre
da capital pernambucana. O edifício é tombado* como monumento histórico pela
Fundape em 1992, a Torre, que durante décadas orientava as navegações que saíam
e chegavam ao Porto do Recife, hoje é um espaço cultural. No programa
encontramos, anfiteatro e salas de exposição, palestras, oficinas e sala
multimídia entre outros e também é utilizada para abrigar e promover
exposições, festivais, oficinas, cursos de formação no campo da produção cultural
e as mais diversas iniciativas na área da cultura. A Torre Malakoff, está
aberta todos os dias para visitação do público em geral, eu particularmente não
entrei pois a cúpula está interditada para reforma.
O bairro
do Recife tem primazia em diversos aspectos. Tem como grande marco a construção
da primeira ponte do Brasil, construída a mando de Maurício de Nassau, ligando
o bairro portuário ao bairro de Santo Antônio, por conta da grande densidade
demográfica da região e se fez necessário buscar a expansão. Os Judeus ganharam
o primeiro templo oficial das Américas, erguido em 1636. A Sinagoga Kahal Zur
Israel, uma das edificações mais importantes da região, foi inaugurada durante
o governo holandês e fechada com a volta dos portugueses ao poder, ficou
durante muito tempo escondida sob escombros na rua do Bom Jesus. Atualmente, restaurada,
abriga exposições e conta uma parte importante da história da comunidade hebraica
em Pernambuco.
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Foto: Anderson Melo dez.2014 |
O bairro do Recife sempre foi visto como uma área bastante comercial, mas com os investimentos federais e todas as atenções voltadas ao Porto de Suape, o Porto do Recife foi aos poucos sendo esquecido, e as regiões do centro foram sendo um pouco escanteados tornando-se cada vez mais obsoletas.Após um período de abandono, dos anos 1990 para cá o Recife Antigo vem sofrendo grandes mudanças tanto positivas como negativas. A ideia é devolver ao bairro seus espaços de convivência, tanto para o turista, como para a população local.
Segundo a prefeitura do Recife, a partir
de 1993 é deflagrado um projeto de impacto que concentra as ações na Rua do Bom
Jesus e ao seu entorno, espaço mais antigo da cidade, cujo traçado remonta ao
Século XVII. O Projeto Cores da Cidade, em parceria com as Tintas Ypiranga e a
Fundação Roberto Marinho, promove a recuperação e as pinturas das fachadas,
introduzindo um cromatismo que destaca e explicita a riqueza de composições das
fachadas ecléticas. Paralelamente, um "mix" de uso estabelecidos para
as quatro ruas que compõem o Polo Bom Jesus, privilegiando a gastronomia e o
lazer. As
estratégias de ação concentram-se então, na criação de incentivos fiscais, na
elaboração e aprovação de Plano Específico de Revitalização, em consonância com
a Lei Orgânica do Município, com o Plano Diretor da Cidade e, principalmente,
com a definição de um modelo de gestão que proporcione um desenvolvimento local
com bases sustentáveis.
Um dos edifícios que estão no processo de restauração é o Chanteclair, que fica logo na entrada do bairro, para que vem pela ponte Mauricio de Nassau.
Um dos edifícios que estão no processo de restauração é o Chanteclair, que fica logo na entrada do bairro, para que vem pela ponte Mauricio de Nassau.
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Chanteclair 1920 Foto: Anderson Melo dez.2014 |
A
Prefeitura, através da Lei nº 16.290/97 ( Plano Específico de Revitalização da
Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural 09 - Sítio
Histórico do Bairro do Recife) , define para o Bairro do Recife, três setores
em função de características espaciais, compreendendo o Setor de Intervenção
Controlada, o Setor de Consolidação Urbana e o Setor de Renovação. Foram ainda
definidos cinco polos de interesse, unidades de caráter temporário, que
possibilitarão planos estratégicos e específicos, são eles: Polo Bom Jesus, Polo
Alfândega, Polo Pilar, Polo Arrecifes e Polo Fluvial. Foi criado o Fundo de
Revitalização do Bairro do Recife para prover de recursos orçamentários às
diversas ações a serem implantadas. Hoje o
processo de revitalização do Bairro do Recife, conta com o apoio da opinião
pública e do empresariado que têm investido na área com novos empreendimentos.
Polo Bom Jesus Foto: Anderson Melo dez.2014 |
O processo de conservação da identidade do bairro, contempla vários projetos que buscam essa retomada pela vivência do lugar. No Programa Monumenta,
que em Recife envolve grandes investimentos no setor de restauro em patrimônio
histórico.
Igreja Madre de Deus Foto: Anderson Melo |
Tivemos a restauração da Igreja Madre de Deus, a
readequação do Conjunto Chanteclair, a urbanização do Cais da Alfândega e a
revitalização das ruas Madre de Deus e da Moeda e a Avenida Alfredo Lisboa.
Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o
templo foi erguido em 1680, e tem características da segunda fase do Barroco. Nesta foto na rua Madre de Deus, podemos ver a Igreja e logo após avistamos o Shopping Paço Alfandega, antigamente era um convento oratoriano anexo a igreja.
Paço Alfandega Shopping e Igreja Madre de Deus Foto: Anderson Melo |
Aqui temos uma ampla vista da rua que foi criada uma rua para pedestres, com vista para o antigo cais da alfandega. O Shopping, é dito como ser de luxo, em meio a um lugar tão "esquecido" criaram este equipamento para atrair mais pessoas para um centro comercial, transformando a região e todo seu entorno.
Estátua Chico Science Foto: Anderson Melo dez. 2014 |
De frente a saída de trás do Shopping Paço Alfandega, encontramos uma das ruas mais famosas do centro do Recife. A rua da Moeda. Bastante popular e abriga um enorm público de diferentes idades, por possuir vários bares de diferentes estilos, com apresentações músicais, prévias carnavalescas entre outras atividades. A estátua do "lendário" Chico Science, era um compositor e criador do movimento chamado Manguebeat, que surgiu na década de 90, misturando vários ritmos musicais regionais. Foi escolhido ficar a sua estátua nesta rua, por ser o polo relacionado ao movimento manguebeat.
Se formos ao Marco Zero do Recife, chegaremos a Av. Alfredo Lisboa, onde encontramos um conjunto de eficicações ecléticas, construídos na época que chamaram de "Embelezamento do Recife" alguns construídos por ingleses, tem vários usos, já foi Banco de Londres, Sede da Antiga Bolsa de Valores e Associação Comercial de Pernambuco, hoje todos são equipamentos de uso público, com incentivo a cultura. Alguns permanecem com suas características, alguns mudaram e outros simplesmente desapareceram, entrando novos equipamentos que mudaram a leitura e entendimento do conjunto como um todo. Tentarei mostrar como era e como está atualmente, alguns angulos não foram possíveis porque estão montando áreas, por conta das comemorações de fim de ano.
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Col. Allen Morison Foto Anderson Melo dez.2014 |
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Foto Anderson Melo dez.2014 |
Seguindo a Av. Alfredo Lisboa, encontramos um grande quantidade de equipamentos que passaram por processos de renovação urbana, alguns reformados, outros totalmente construídos. Mas lembrando, todos fazendo parte do incentivo a cultura. Cinemas, teatros, polo de artesanato, apresentações etc.
Casario da Av. Alfredo Lisboa Foto:Anderson Melo dez.2014 |
Museu a céu aberto de Recife Foto: Anderson Melo dez.2014 |
Museu Cais do Sertão Foto: Anderson Melo dez.2014 |
Terminal Marítimo de Passageiros Foto: Anderson Melo dez. 2014 |
Atualmente no bairro existe o Projeto como o Recife Antigo de Coração, que fecha algumas ruas do bairro no
último domingo de cada mês buscando aos poucos tornar a área um espaço de lazer, trazendo uma alternativa de diversão para a população da cidade. Mesmo sabendo que o bairro tenha uma histórica que nos lembra a ser um centro comercial, o projeto tenta torná-lo um grande parque nos finais de semana sendo talvez uma forma de ocupar a região de maneira agradável a todas as pessoas independente de sua idade. São montados diversos pólos de animação em algumas ruas, atraindo muito atenção de empresas que são ligadas ao ramo de gastronomia, bares, restaurantes, artesanato.
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Recife Antigo de Coração |
Diferente
de tempos passados, a luta que atualmente o povo recifense trava hoje é pela conservação do seu
patrimônio histórico, e sem dúvida, o surgimento da capital pernambucana tem papel fundamental
nessa ação de resgate. Hoje, existe praticamente um consenso de que é preciso
enxergar o futuro, sem no entanto, relegar o passado. Preservando a história, adentramos
no século XXI com a identidade cultural fortalecida. A cidade passa por um grande movimento que ultrapassou barreiras que poucas pessoas imaginavam, a questão do Cais José Estelita, com o movimento #OCUPEESTELITA. Não precisamos apagar nossas memórias, e muito menos fazer com quer gerações futuras não saibam o que nós passamos agora, isso é crime. A história faz parte da vida, a humanidade precisa dela, para saber de onde vem, porque estamos aqui e pra onde vai. Como existe uma frase popular que diz: "Quem Vive de Passado é Museu...", será mesmo que apenas museu vive de passado???
E pra terminar vou deixar a imagem que me deixou chocado na visita... A quantidade de lixo que encontrei no rio, no Cais da Anfandega. Quando a maré está alta, não observamos isso, a maré secou, ao invés de termos o mague exposto com os animais circulando, olha o que encontrei. Lamentável!
E pra terminar vou deixar a imagem que me deixou chocado na visita... A quantidade de lixo que encontrei no rio, no Cais da Anfandega. Quando a maré está alta, não observamos isso, a maré secou, ao invés de termos o mague exposto com os animais circulando, olha o que encontrei. Lamentável!
Fontes:
BRAGA,
João. Trilhas do Recife: guia turístico, histórico e cultural.
ZANCHETI, Sílvio Mendes; LACERDA, Norma; MARINHO, Geraldo (Org.). Revitalização do bairro do Recife: plano, regulação e avaliação. Recife: UFPE, Editora Universitária, Mestrado em Desenvolvimento Urbano e Regional, Centro de Conservação Integrada Urbana e Territorial, 1998.
CAVALCANTI, Carlos Bezerra. O Recife e seus bairros. Recife: Câmara Municipal do Recife, 1998
http://www.recifeantigodecoracao.com.br/
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar
http://www.recife.pe.gov.br/cidade/projetos/bairrodorecife/tx6.htm
http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=12742&sigla=Institucional&retorno=detalheInstitucional
Arrasou no blog! Parabéns, tricolor!
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